sábado, 26 de abril de 2014

A Troika E o Nosso Descontentamento

Os consultores da Troika em obediência aos princípios da Comissão Europeia Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu, têm vindo desde há três anos, de visita periódica ao nosso país, com popa e circunstância, tal como os meios televisivos e a restante comunicação social têm divulgado (resenha de abertura dos jornais televisivos ou das capas de jornais). Pese o facto do fruto do seu trabalho estarem as pessoas cada vez mais tensas, consequência da desvalorização do euro “português”, menos instruídas por efeito do desaparecimento gradual da cultura, mais preocupadas com tudo e com nada, não deixa essa preocupação de ser lógica pela inquietude e pela apreensão que nos trás a incerteza de um futuro desconhecido.

No entanto o nosso país continua a ter um povo que sendo extraordinário na sua maneira de receber o estrangeiro, mesmo que se perceba que vem com a intenção de nos empobrecer ainda mais para além de já sermos dos últimos da tabela na Europa em quase tudo, continuamos no entanto a ser ricos em passividade e a enriquecermos a nossa imaginação; somos soberanos na adaptação às circunstâncias difíceis, sempre com a evidência de um novo sorriso, o sorriso da compaixão, porque somos bondosos e clementes, razão da adaptação e acomodação à realidade que estamos a suportar, como se a tolerância em Portugal fosse um dos mandamentos mais importantes que algum Deus, não sei qual, nos quis infligir.

Senão vejamos,

Portugal é sem dúvida um belo e bonito país, com uma beleza inata, digam os variados roteiros existentes de norte a sul, em que tanta coisa agradável e apetecível há para observar, ver, provar e saborear. Fizeram-se auto-estradas a preço de “apito dourado”, numa época em que o auge era apanágio da palavra política e atributo do facilitismo implementado na mente de todos nós. Essas mesmas auto-estradas, muitas delas inúteis e vazias da sua verdadeira função, por serem desmesuradas em distância embora comedidas de betão para poupança nos bolsos milionários, deixaram de ter o significado que lhes foi atribuído. Vejam-se o número significativo de automóveis que passaram a aproveitar as estradas secundárias, esburacadas, de bermas desarranjadas, e cheias de ervas daninhas, que embora com beleza na primavera escamoteiam espaços que pelo seu perigo possam levar a maior facilidade de acidentes, que as estatísticas em Portugal se habituaram a desdizer, como tudo neste país é fácil ser desdito.

Os carros avariados por essas estradas fora já não se viam; as marcas de maior renome, tal como os de potência avantajada, deixaram de ser tão visíveis, embora por aí vão passando alguns Ferrari ou Porches em mãos de maus condutores que nas poças de chuva se esquecem que os limites das estradas são iguais para todos os que conduzem, pelo que alguns acabam por ficar com chapa incaracterística para este tipo de carros tão avantajados.

Culpamos os consultores, mas estes fizeram o seu trabalho,

As províncias portuguesas têm coisas lindas; não é necessário ir para o Gerês para se identificarem bonitas paisagens com paradisíacas quedas de água ou moinhos que os antigos construíram sabe-se lá em que condição por essas ribeiras fora; houve autarcas mais prodigiosos de esperteza que aproveitaram os fundos comunitários para construírem invenções que nem ao diabo lembraria, ou reconstruírem algo a preços de saldo, de maneira que actualmente muitas dessas construções são antigos oásis envolvidos por matagais que dificultam o acesso ao cidadão comum o impedem de saborear aquilo que também foi pago ou continua ser pago com o dinheiro dos seus impostos; qual desventura se essas invenções foram moeda de troca por meia dúzia de votos para o sucesso de mais uma reeleição?

Ir ao Algarve deixou de ser uma necessidade já que praias fluviais nasceram em tudo o que tem água; se muitas se justificam, nomeadamente no interior, outras que não deviam ter sido construídas, vieram demonstrar que os consultores têm razão quando focam a apetência, a propensão e o exagero do português para aproveitar tudo o que mexe, neste caso o vento a bater na água, dando a imaginar que a mesma flutua ou que o espelho idealizado do seu fundo que nos ilumina a nossa própria consciência do tudo querer, mas num país que não tem dinheiro, nem sequer para manter o respeito daqueles que sendo idosos e reformados, mereciam muito mais que o nosso respeito, apreço e consideração.

As bicicletas passaram de novo a ser um veículo fantasioso de transporte das horas vagas, melhor que o automóvel, possibilitando o conhecimento mais profundo de locais inéditos e inatingíveis doutra forma, na região em que vivemos; podemos sonhar encontrarmo-nos em Mirandela a provar um óptima posta de carne que não interessa ser mirandesa, mas é da nossa zona, que por isso não deixa vir de pastagens que facultam uma carne de vitela e novilho de raça (ou não) de boa ou má qualidade, pelo que teremos sempre as cotas necessárias para que a carne continue na ementa do dia-a-dia que todos prezamos.

E as herdades por aí espalhadas muitas sendo novos latifundiários, como se o 25 de Abril não tivesse existido, outras passaram a ser propriedade de estrangeiros, sinal evidente que cada vez menos pertencemos a uma terra lusitana e nacionalista e cada vez mais a um emaranhado de culturas, pelo que qualquer dia andaremos a tentar perceber qual o nosso lugar nesta sociedade que de Camões cada vez fica mais e apenas o seu nome.

Estamos mais pobres embora não de coração,

O ordenado mínimo atinge valores de antes do 25 de Abril de 1974, os ordenados médios atingem os valores de 1999, o nosso sorriso vai-se tornando esforçado e descolorido, os consultores sabem isso, mas também sabem que muitos subsídios foram dados ao nosso país, para a formação das pessoas, para o progresso da educação, para a organização e desenvolvimento da investigação científica, para a modernização da agricultura, das pescas, da indústria, do comércio, do turismo rural, das barragens, do vinho, do leite… Mas esse dinheiro também que foi aproveitado, não para a expansão da economia global do nosso país, mas para proveito próprio de algumas pessoas, que preferiram construir habitações familiares, nomeadamente segunda e terceira habitação em praias a pensarem no escurecimento e bronzeamento da pele ou em serras para poderem admirar o branco da neve, luxos em grandes viagens para conhecerem esse mundo “nunca dantes descoberto”, aquisição de carros de topo que as nossas estradas esburacadas apenas permitem evidenciar a sua beleza, excesso de construção de auto-estradas sem carros, pontes de qualidade duvidosa, aeroportos sem aviões para aterrar, dinheiro depositado em paraísos fiscais…e por aí fora…

Mas os Consultores também falharam,

Sabem melhor que ninguém que a nossa justiça não funciona; grupos organizados impedem cada vez mais o seu funcionamento, quer pelo tráfico de influências que movimentam, quer pela instrumentalização da sociedade, mais que óbvia, no sentido de se manter a corrupção, para proveito dos mesmos, nem que para isso continue a “prodigiosa” deterioração da sociedade portuguesa.

Nestes três anos que periodicamente nos têm visitado, em vez de se terem deixado deliciar com a nossa paisagem, o nosso sol e a nossa comida deviam ter tido os olhos mais abertos, porque muitas negociatas financeiras podiam ter sido evitadas, impedido a traficância efectuada na bolsa da Lisboa, que permitiram que alguns bancos se tivessem enchido de dinheiro, as fraudes nos concursos públicos, o adiamento dos prazos de finalização de obras, os túneis desnecessários, o número de intermediários para aprovação de projectos dúbios e ambíguos…

Aí sim estou à vontade para vos dizer que falharam

Não fizeram bem o trabalho de casa, puseram-se a dormir à sombra de uma bananeira da nossa Madeira ou de um ananaseiro de uma das ilhas dos Açores. Esqueceram-se que sempre existem astutos habilidosos, engenhosos, os chamados popularmente de aldrabões. Esqueceram-se de mandar fiscalizar os subsídios, controlar os gastos, verificar as contas e inspeccionar a execução do produto final, perceber acima de tudo como funciona a economia paralela no nosso país.

Existimos nós, mas também existem os nossos filhos, que têm a perspectiva de futuro além-fronteiras com a visão da emigração,

Olhem então para o nosso país doutra forma, para este povo que na sua maioria para além de pacato é ordeiro, pacífico e sociável, é optimista e acredita em si mesmo e nas suas potencialidades, desde que a Europa nos dê paz, concórdia e que passe definitivamente a acreditar e a admitir que afinal o cenário embora seja negro, o povo português é trabalhador e sabe inovar nos momentos difíceis. Facultem-nos essa oportunidade porque a queremos segurar, e desejamos mostrar o que na realidade valemos (desde o período ancestral) porque os portugueses têm talento, são empreendedores, desfrutam de ideias, que vão ser aproveitadas de certeza para mudar a Europa para melhor!


Mas já é tempo de perceberam que a crise é de todos e não só de alguns!


quinta-feira, 27 de março de 2014

Camões, Reaparece Para Ressuscitares Este País

Andamos alucinados porque tudo o que se tem passado neste país não deixa de ser uma mera ilusão, porque não desejamos acreditar. Não acreditamos porque tivemos um Camões que através dos Lusíadas incutiu-nos no ensino secundário a nossa independência, lembrando a acção grandiosa dos portugueses por esse mundo inteiro.

Não acreditamos porque continuamos a pensar que D. Sebastião por aí andará perdido algures em África, homem imortal que qualquer dia aparecerá para salvar a honra de um país que a perdeu, não sejam só os Judeus a terem a paciência de esperar pelo seu próprio Messias, com sentido semelhante mas mais amplo, pois quando nascer virá salvar o mundo, embora eu próprio não saiba se nessa altura ainda haverá mundo…

Descremos porque não existe dia nenhum que não se fale em cortes visando diversas áreas de actividade, mas essencialmente a Administração Pública, alvo preferencial e mais fácil de atingir, seja nos salários, sejam as reformas, sejam os suplementos remuneratórios, sendo esses profissionais tratados como se bodes “expiatórios” se tratassem, ou seres que deixaram de ser humanos por se entender que enfermam do pestífero, camuflando-se desta maneira a completa incapacidade governativa de quem na última década tem tido a inaptidão e por isso a contribuição e o tributo da derrocada em que nos encontramos.

A história relembra durante passados séculos a nossa paciência infinita, porque o povo português prefere ser conformado e resignado, preferindo acomodar-se à realidade da actualidade, caricaturar a classe política corrupta nos meios sociais, em vez de exigir responsabilidade social, jurídica e penal para de vez acabar com o fosso entre quem está “está lá em cima”, muito longe do conhecimento do que se passa na realidade do dia-a-dia “cá em baixo”, seja nas empresas, nos hospitais, nos centros de solidariedade, na rua, no contacto directo permanente com as populações e não só em vésperas eleitoralistas, tentando percepcionar assim o porquê das dificuldade que o cidadão comum e anónimo está na sua maioria a passar na actualidade.

A única certeza que podemos ter é involução social, de um povo que deixou desde a existência de Camões, de ter Armas e Barões Assinalados e muito menos gente remota que na altura muito edificou e sublimou; ficam para a posteridade essas lindas palavras que nos podem motivar no nosso trabalho do dia-a-dia, mas que no entanto sabemos que não passam de meras palavras vãs, ocas e fúteis, porque de ilustres apenas a panaceia do desastre verbal dos deputados e governantes por completo desconhecimento da realidade, ou de grandes interesses pessoais.

Até Fernando Pessoa nas “Mensagens” retratou Portugal no seu declínio, clamando e apregoando a necessidade de uma nova força anímica, não o tendo no entanto conseguido transmitir à população, tal como foi reconhecido o valor da sua obra, pela qual todos temos uma estima e um respeito de grande apreço.
   
Até lá vamos acreditando que não vivemos neste país empobrecido, repleto de mitos, de incertezas, em que a falta de esperança porque se deixou de acreditar…É apenas mais um sonho que estamos a ter.


sexta-feira, 14 de março de 2014

EUTANÁSIA? EU DIGO NÃO

Aquele era mais um dia, semelhante aos anteriores, desde que dei entrada nesta cama com a cabeceira perto de uma pequena janela, cuja luminosidade fosse a claridade ou a cintilação da lua, não me ajudava a saber as horas, mas ia-me permitindo ainda conseguir diferenciar entre o ser dia ou o ser noite.

Era um pequeno rectângulo de espaço, uma cama apertada, mas o suficiente para saber que a minha vida dependeria dessa pequena extensão, já que tinha um tubo ligando os pulmões a um ventilador mecânico, que fazia o trabalho daquele, permitindo-me sonhar com a vida mas percebendo também que o limiar entre essa mesmo e a sobrevivência pode ser extremamente pequeno.

Nos poucos momentos que eram de lucidez, acordava sem saber se passavam minutos, horas ou dias; ouvia os médicos e os enfermeiros cochichando; lá iam dizendo que o “caso é mau”, “provavelmente vai morrer”, “o choque está a ser refractário aos medicamentos”, “os antibióticos não estão a surtir o efeito desejado”…

É a sensação do nada, um vazio que não é preenchido porque é oco mas também vago, o saber que se vai morrer, num corpo sem resposta imunológica, mas interessantemente, sem desejo de morrer, porque sente e que para além desse vazio do nada, não existe dor, só sofrimento psíquico. Surge a recordação da vida, a lembrança de ter sido demasiado vivida ou então dos momentos que nunca foram vividos, mas agora ainda mais que nunca, é altura de discernir que viver é existir, é pensar, raciocinar e meditar pese os poucos instantes de lucidez, apesar da altura sendo antagónica, não ser por isso mesmo o momento mais propicio a sedimentar aquilo que poderá ser noutras ocasiões o fortalecimento do nosso ego.

Lembro-me de discussões sobre a eutanásia, tenha sido com amigos, após filmes vistos, ou após leituras lidas e relidas; aquilo de se ser um farrapo humano, um pedaço de vida escondido só para se poder afirmar que se está vivo, cheio de dores física e psíquica, um corpo sem dignidade, sem honra e vulnerável, não o sinto, penso de outro modo, cogito e reflicto, os tempos são outros, a medicina evoluiu. Hoje a dor é parte integrante da preocupação e da compreensão dos profissionais de saúde, que perante medicamentos em escolha, limitam essa mesma dor aos limites da incompreensão cerebral, pelo que, se ela ainda existe não deixa de ser um sopro ou um assobio que rapidamente se encobre perante os químicos que de maior poderio assim o impõe e ordena na compreensão do puzzle que é o nosso corpo orgânico.

Sobrevivi,

Apetece-me dar um grito, que seja audível à distância, feliz, ditoso e afortunado. A compaixão de quem sofre é uma realidade da sociedade actual, mas a evolução intelectual e tecnológica do século XXI, com os conhecimentos recentes de como actuar sobre o físico e o psíquico dos doentes que sofrem e pensam que a eutanásia será o destino mais sequente de deixarem de sofrer, eu direi,

Não,

A vulnerabilidade? Ultrapassar-se-à com a relembrança: Os familiares, os amigos, os sonhos, os projectos,     

A medicação para me fazer esquecer a dor, dando a vitalidade necessária, mas também suficiente, para fazer ultrapassar a dificuldade que eventualmente nos possa ainda cegar em pensamento, a esperança de saber que vivendo o mais tempo possível, na esperança de ainda ter tempo para poder ser feliz, tendo o olhar virado para confrontar o mundo que me foi imposto, o percurso de vida que foi exigido, leva-me a sentir ser não uma peça do baralho, mas um ser em si mesmo, pensante e racional, por isso mesmo a ser tentado a permanecer no trilho da vivacidade e da vivência possível e durante o tempo que o meu organismo o desejar.

Porque acredito nisso tudo, porque sei e senti que o sofrimento pode perfeitamente ser ultrapassável pelo desenvolvimento dos medicamentos e da tecnologia, do aparecimento de novas formas de substituição dos nossos órgãos, pelo afecto e ternura de quem de nós lida nesses momentos difíceis, considero ser a eutanásia um assunto cuja compreensão não pode ser a mesma que havia até ao fim do século passado.

Hoje o sofrimento ultrapassa-se de variadas formas, ajudando a podermos encontrar o verdadeiro sentido da nossa vida, não negando, desde o nascimento, o sentimento intrínseco em nós próprios, impedindo a fuga ou a desistência, ajudando à persecução dos objectivos próprios que nos levaram a confrontar este mundo terrível, por isso mesmo na liberdade a manter a dignidade que sempre tivemos desde a nascença. Por tudo sou obrigado a afirmar:

NÃO À EUTANÁSIA: Lutemos sim para que a nossa dignidade seja uma realidade que terá de ser respeitada até ao último suspiro.       



segunda-feira, 3 de março de 2014

A Igreja, o Património, os Santos e as Santas

Estava vento, ameaçava chuva, a estrada era estreita e encontrava-se esburacada no percurso, desde que deixámos a estrada principal, à procura de uma pequena igreja, conhecida pelos peregrinos que nas suas caminhadas para Santiago de Compostela nela fazem jus à sua condição de forasteiros, fazendo parte da rota dos românicos.

A Igreja é a de Telões, pequena aldeia, sendo freguesia do Concelho de Amarante, embora distante do mundo “real”, arranjada, ordenada e organizada, numa das saídas da aldeia, que não é saída nenhuma, porque mais estrada não existe.

Exteriormente com vestígios romanos, apresenta um alpendre que faz a ligação entre a fachada principal e o campanário.

Mas como é hábito nos monumentos em Portugal, encontrava-se encerrada porque não era dia de missa e o padre desloca-se doutra povoação, o que não acontece todos os dias, porque a sua actividade religiosa não se esgota nesta pequena igreja.

No entanto, encontrámos próximo um grupo de pessoas de idade que conversavam, mas que foram por nós interrompidos. Na sequência de boa convivência, apareceu como que por magia nas mãos de alguém, anónima, umas chaves, antigas, que pareciam obsoletas mas que rapidamente puseram a descoberto o interior da igreja.

Ouvimos então a história real de um interior que se tenta manter rico, porque a força de união das pessoas da aldeia conseguiram preservar, mas com dificuldade, peças raras e valiosas, que neste momento por outros lados andariam, porque noutras mãos estariam, fornecendo e abastecendo a carteira de alguns, pois a venda em “mercado negro” de quadros e outros objectos de grande valor, sejam altares próprios do culto ou outros, levariam, como levaram noutros locais, ao despejo, para enriquecimento de alguns, como também ao empobrecimento do nosso património que já foi vasto, mas vai sendo cada vez mais depauperado.

Também a discriminação das mulheres, que a religião católica ainda não conseguiu fazer ultrapassar, foi evidente, com a separação entre os Santos e Santas, os primeiros expostos no altar e em sua volta e as Santas, com excepção da Maria, guardadas na sacristia, mais longe da vista do povo, “não fossem elas brigar umas com as outras”, e “o altar vem abaixo” expressões ditas vivamente de quem nos estava a levar por uma visita guiada.

Pois também a moral própria de quem costuma recorrer à igreja, provavelmente por machismo ou receio de transpor as próprias regras pessoais, pode ser decisão suficiente para não contrariar aquilo que não quer ver, pois Santos são Santos enquanto Santas não se percebe muito o valor que podem ter quer na sociedade quer nas religiões em geral (veja-se também o que se passa no islamismo).

Finalmente entrámos, noutra localidade, numa loja de artesanato; num local interior, só acessível aos mais curiosos, deparámos com pequenos altares para venda, assinalados com preço alcançável para quem tenha carteiras bem recheadas de dinheiro; mas o que nos chocou foi o facto de percebermos que afinal o nosso património está mesmo a ser delapidado…Por quem?



sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

O Escafandro e a Borboleta: Viver ou Não?


Era precisamente aquele filme que me estava predestinado, naquela tarde fria e apática, onde depois de uma maratona de trabalho profissional, necessitava de algo diferente que fosse para ler ou para ver, mas não encontrava.

Tinha gravado o filme “O Escafandro e a Borboleta”; abri a televisão e enquanto decorriam as primeiras cenas do filme, tentei recordar o que na minha memória ficou da leitura desse mesmo livro efectuada anos antes, mas a recordação era vaga: Jean-Dominique Bauby, editor da revista Elle terá sofrido um derrame cerebral, acordando vinte dias depois, com síndroma de Locked-In, incapaz de comunicar a não ser através de movimentos com o olho esquerdo.

O filme sem dúvida emocionou-me mais que o livro; a sensibilidade e a luta do Escafandro, através do seu corpo imobilizado pela paralisia generalizada, com a Borboleta, ou seja, a sua imaginação que por meio de movimentos das pálpebras e do olho esquerdo conseguiu com uma persistência louvável, ter a força suficiente para conseguir a comunicação necessária para poder escrever um livro, que por ser de uma humanidade chocante nos toca no coração e por isso nos perturba emocionalmente.

Descreve momentos felizes, patenteia a adaptação a uma cadeira de rodas, ouvindo mas nem sempre conseguindo transmitir o que lhe apetece dizer, consequência definitiva do seu estado, que só não é vegetativo porque se sabe que através de um olho, naquele corpo que não mexe, existe uma alma que consegue orientar o seu ser, mas mais ainda o seu querer.

Existem Forças que são ainda hoje inexplicáveis,

Jean-Dominique, após a confirmação da edição do seu livro tem uma pneumonia e morre dez dias depois. O seu objectivo fora cumprido, dizer à sociedade que para além da síndrome de Locked-In, existe vida, que poderá ser vivida de forma diferente encarando os problemas de forma mais feliz, confrontando a realidade do dia-a-dia com alegria e motivação com o intuito de tudo na vida poder ser mais leve, suave e aprazível.

Fica-me a dúvida que à qual não consigo responder, ou seja, que Força é essa que nos motiva para atingir um determinado objectivo e que a partir daí pode-se desligar de nós próprios tal como nós desligamos um simples interruptor, apagando-se por vezes totalmente do nosso corpo, nem que seja através do aparecimento da morte?



sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Absolvição

Eram muitas as dores que sentia, incomodativas, que me limitavam a locomoção e impossibilitava alguns movimentos que fazem parte da nossa normalidade e que inconscientemente repetimos centenas ou milhares de vezes durante a actividade diária.

Decidi por recorrer ao médico de família, como todos deveremos fazer quando algum dilema de saúde surge. Estava frágil e incapacitado pela dor e pela dificuldade de me mobilizar e impotente pela debilidade psíquica que a mesma provoca.

Depois de uma história clínica cuidadosa, fui observado, medicado e foram-me pedidos alguns exames entre os quais um Tomografia Axial Computadorizada.

Lá fomos, porque não conseguia conduzir, pela estrada que não parecia ter fim, sinuosa ou tortuosa, estreita, mas único refugo para evitar os custos que se vão adicionando por cada pórtico nas auto-estradas que todos continuaremos a pagar indefinidamente.

Finalmente a capital, que tudo de bom parece ter, mas que da confusão de trânsito não se consegue livrar, mas enfim, não foi esse o objectivo que me direccionou, pelo que com alguma dificuldade lá cheguei ao local pretendido.

Entrei num aparelho com a forma circular que mais parecia um donut, onde me deitei numa maca e aí deslizei provavelmente para a zona onde me iriam ser emitidas as radiações, que alguma coisa poderia descobrir neste corpo até ao momento são e sadio.

Ouvi uma voz de timbre metálico, que de algum lado parecia conhecer, mas rapidamente me lembrei do meu GPS; ia orientando os movimentos respiratórios, assimilando os conselhos, mas o tempo passava com dificuldade, de maneira que minutos pareciam horas, talvez por reflectir que alguma coisa menos boa se estaria a passar, porque a noção é que quando tudo corre bem, nada é tão demorado e tudo se torna mais fácil de ser assimilado.

O círculo volta-se a abrir, a maca torna a deslizar, mas quando pensava ter terminado o exame, sou confrontado por um enfermeiro que delicadamente pede para poder perfundir um produto, contraste, necessário para aclarar algumas dúvidas existentes, mas não me transmitiu quais.

A desesperança,

O rebuliço interior, o quase enlouquecimento, o reflectir sobre tudo e sobre nada, desde o início que somos vida ou da vida fazemos parte, até quando e como ela terminará já que alguma coisa de grave existirá, pois um contraste após tanto tempo para observação destes meus órgãos deixam de ser um meio, mas passam a ser um fim, que brevemente me irá ser transmitido.

A nossa existência passada, nos momentos de aflição, parece-nos curta, errante nos actos passados, ausente das coisas boas que teremos vivido, tanta coisa de diferente que deveríamos ter feito, o tempo que viveremos, sem tempo, porque o mesmo se diluirá nas idas e desavindas para o meio hospitalar para as sessões de quimioterapia ou de radioterapia, ou sabe-se lá mais o quê, deixar-me-ão desde já “morto” para o tempo que irei durar.

Terminou o exame; durou uma hora e meia, suficiente para perceber o que desde já não estará disseminado por um corpo metafórico como sejam as peças de um relógio, que passou a ser disfuncional.

Finalmente o resultado do julgamento do colectivo dos juízes que perante as provas evidentes decidiram:

Estou absolvido, não sei no entanto até quando…


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O Colapso da Amizade


Naquela noite invernal, friorenta, escura, com a lua vedada por nuvens cerradas que ameaçavam chuviscos, fomos informados que nos deveríamos dirigir rapidamente para uma aldeia, ainda longínqua do local da partida, o que de imediato cumprimos.

Arrancámos em alta velocidade, através de estradas de mau piso, esburacada, com alcatrão facilitando o movimento oscilante que bem se sentia nos assentos, baloiçante pela velocidade elevada, curvas sinuosas pelo caminho fora, até que chegámos ao local que nos havia sido indicado.

Deparámos com um mundo semelhante a determinados filmes que nos dão imagens artificializadas de cenas estudadas e mecanizadas: Num “mundo” escuro, abrilhantado por um holofote que acompanha a nossa carga, verificámos a presença relativamente perto de um ser humano, sentado num carrinho de mão, em pânico, com um semblante de dor e sofrimento, ensanguentado nas mãos, na roupa e de mais perto verificámos que se encontrava mais “colorido” por ter coloração mais expressiva num dos membros inferiores.  

Junto da porta da moradia da quinta, alguém decidiu quebrar o gelo, não só da temperatura nocturna, como também do filme em cena, afirmando, que ouviu um barulho, pensando ser um javali, pelo que decidiu ir buscar a espingarda, resolvendo disparar para o local de onde os ruídos zumbiam para os ouvidos.

Mas mais afirmava: “É meu amigo, ainda hoje durante a tarde estivemos a jogar às cartas; bem me podias ter pedido as laranjas, em vez de mas vires roubar, que eu preferia dar-tas todas”.

Foi uma história que por ser real não a esqueci, pelos seus valores morais, nomeadamente pelo sentido ou significado de se ser amigo e por isso mesmo poder haver a liberdade, como neste caso, de se poder dar um tiro “cúmplice” àquele que pese a dedicação de andar a apanhar laranjas é atingido por uma bala.

Pensava eu que os amigos, se na realidade existem, então estimam-se, ajudam-se, mesmo nos maus momentos, até se podem insultar, mas chamar javali como pretexto para se poder dar um tiro não será muito apropriado, nem oportuno nos dias que correm, e na época que vivemos.

Sempre me ficou no entanto a dúvida se a cena observada, não terá tido a ver com algo que se terá passado durante o jogo das cartas: Terão os mesmos na euforia do jogo, sob efeito do álcool, talvez já de sabor amargo, iniciado uma conversa do género, “acredita que se te apanhar a roubares-me uma laranja no meu quintal dou-te um tiro e mato-te! E a outra voz, já não serena, sim exaltada a exclamar: Isso é o que veremos!”.

A amizade talvez seja também isto mesmo, chamar nomes impróprios, inadequados para a altura, como seja javali ou outro qualquer ao amigo, que de javali nada terá, senão apenas a vivência da proximidade, do companheirismo, da camaradagem, como forma de convívio que se torna essencial, para se poder passar o tempo da melhor forma possível, mas que na realidade, tudo se poderá tornar diferente, dependendo do interesse conformado ou inconformado do significado que cada um tem da palavra amizade.

Nesta história percebeu-se a coragem do confronto de duas pessoas, um a chamar javali a outro e sem pejo nem decoro, de imediato a decidir dar-lhe um tiro, tal como se estivesse presente numa montaria de caça e abate ao javali, o outro a pôr em questão essa possibilidade, roubando as laranjas sem qualquer pudor; estranho o significado de amizade que se entende por este mundo fora.


quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

Introspecção

Existem dias assim, em que acordamos depois de uma noite mal dormida, com uma estranheza que não sabemos dar significado, porque os pensamentos sem a meditação ideal terão sido tantos, uns durante os sonhos, mas que não recordamos porque o nosso subconsciente assim o entende não nos fazer lembrar e outros que nos vão atormentando e molestando, infligindo-nos um martírio permanente, que releva a nossa pouca paciência para limiares elevados de impaciência e inquietação que nos desassossega ainda mais, nos irrita e nos enerva.

Aí não será de procurar a solidão, e sentir que ela possa tomar conta dos nossos actos?

Ser-se fugazmente solitário, pese o desvanecimento da alma que se abate sobre nós próprios, não deixa de ser uma companhia diferente, que não nos atormenta como o barulho das vozes agudas ou graves, das afrontas, dos impropérios das ignomínias, ou mesmo dos afectos, da dedicação ou da devoção de quem está presente à nossa volta e que considera ter o dom de nos dever dar, porque pode ser fácil pressentir o nosso estado de espírito, neste abraço do nosso corpo, connosco mesmo.

Podemos estar numa festa acompanhado de muita gente, pessoas boas que possamos gostar, mas isso não implica que em nossa volta nada mais vejamos senão o escuro do cantinho escondido no abrigo do nosso cérebro, ou as imagens distintas e diversas no nosso “eu”, confusão mental do cansaço a que estamos sujeitos nesta vida de problemas múltiplos, que vamos sendo confrontados durante as horas do dia em que nos mantemos acordados.

O mundo pode-nos rodear à sua maneira, e muitas vezes esse mesmo mundo “humano” pode não compreender ou não querer compreender que essa mesma solidão seja necessária para que posteriormente possamos ter a força, o vigor e a energia de o poder confrontar doutra forma, com satisfação e motivação do que nos rodeia, também com um sorriso real e não virtual, pleno de felicidade, de satisfação e de júbilo, que sem esses momentos de solidão poderemos não conseguir atingir, arriscando-nos, aí sim, numa tristeza mantida e insuperável, poder cair na depressão, no isolamento permanente, na dependência emocional e “in extremes” na vulnerabilidade corporal e imunitária.


Sendo a solidão necessária, há que haver a compreensão para que ela deva subsistir como uma companhia transitória, que da tristeza irá permitir que cada um de nós possa demonstrar ao mundo que com essa ajuda, seremos capazes de ultrapassar o desespero com a satisfação de podermos acreditar que afinal temos a nossa independência, quando o nosso pensamento se encontrar em equilíbrio com o nosso ego, elevando a nossa auto-estima ao prenúncio da felicidade final.


sábado, 25 de janeiro de 2014

No Dia em que os Coveiros Fizeram Greve

Naquele dia enevoado, os Coveiros decidiram por unanimidade, depois de analisarem os problemas da classe, decretarem uma greve por tempo indeterminado.

A população tomou conhecimento da notícia pelos jornais; ficou perplexa porque não entendeu nem quis perceber: Greve? Estão doidos, o que será dos mortos, quem lhes dará o trato final no caixão, quem os enterrará e quem os velará?

A Assembleia da República e o Primeiro-Ministro nada se preocuparam, porque era mais uma de muitas outras greves, de outros malfeitores que tudo queriam mas nada mereciam, mas cujo controle das forças policiais sobejava e que rapidamente o cansaço a faria terminar, para além da revolta que iria provocar na população.

Mas esqueceram-se dos factos reais,

A vida, pelo país começou a tornar-se insuportável. As pessoas já sofríveis pela crise permanente e duradoura, sem fim à vista, começaram cada vez mais a ficarem menos amistosas, a irradiarem a sua pouca animosidade, não para os Coveiros, mas para os políticos que mais uma vez não quiseram ou não se aperceberam do quanto de prejudicial se adivinhava a continuação dessa greve.

Parecia tudo ter saído de um livro de ficção, mas não. As capelas começaram a abarrotar de corpos inanimados, os familiares e amigos confusos porque queriam velar um determinado corpo, mas eram tantos que ou velavam vários sem saber o real ou fingiam velar e saiam rapidamente da casa mortuária. Os funcionários das agências funerárias andavam descontrolados, nervosos, agitados, preocupados e inquietados quando as pessoas iam ter com eles culpabilizando-os da situação, confundindo-os, porque nem os próprios percebiam da razão que estava a levar à confusão e anarquia do país.

O Ministro da Saúde, após reunião com os seus consultores e assessores, muitos deles médicos, quando estes lhe transmitiram a possibilidade de uma catástrofe de Saúde Pública devido à decomposição dos corpos, ao cheiro nauseabundo dos mesmos e às doenças mortíferas que daí poderiam advir, aquele pensou e meditou do que melhor seria, se considerar um estado de calamidade, se pensar que quantas mais pessoas morrerem e menos indivíduos existirem, menos dinheiro se iria gastar com a segurança social e mais facilmente se iria conseguir o equilíbrio das finanças do país; mas lá considerou e bem que essa questão do dinheiro mais diz respeito ao Primeiro-Ministro do a ele próprio, portanto não iria por esse caminho.

Pior, a recordação histórica do passado, da Época Medieval;

A pestilência, mas logo alguém pensou fazer negócio projectando leprosarias, ou ratoeiras electrónicas para apanhar os ratos; a tuberculose foi outro dos assuntos discutidos, mas a tal tísica, problema de proletários facilmente seria resolvido com as medidas a implementar. Importante seria preparar uma formação para os médicos e enfermeiros para reaprenderem a sangrar e purgar os doentes e também saberem manusear as sanguessugas, animal que muito iria ajudar na cura das “maleitas” que se estava à espera de aparecerem.

A Assembleia da República só começou a perceber a dimensão da situação quando compreendeu e entendeu que havia outras classes profissionais que quase sigilosamente queriam também reivindicar, ameaçando por esse motivo com greve: Os trabalhadores de recolha de lixo, os médicos, os motoristas, os enfermeiros, os bombeiros, isto o que se sabia dos serviços secretos de segurança do estado e dos serviços de escutas dos telemóveis.

Começaram algumas medidas: Exigir o embalsamento, mas que rapidamente fez esgotar no mercado negro, os óleos e outras substâncias utilizadas para complemento dessa técnica; houve quem rapidamente inventasse maneira de fazer toneladas de gelo para manter os corpos inertes, mas o próprio gelo derretia rapidamente e a água começou a escassear pelo que foi negócio de pouca duração.

Os corpos eram cada vez mais, não havia caixões em número suficiente, a madeira era insuficiente, a água passou a ser insalubre e a comida desesperante no seu sabor.

A Guerra Civil estava iminente...

Toda a Comunicação Social aguardava um veredicto, que tardava em aparecer, aguardando com a paciência que se lhes reconhece, horas infinitas nas entradas dos edifícios do Primeiro-Ministro, Ministérios e Assembleia da República, mas notou-se que poucos estavam presentes junto ao edifício do Presidente da República e percebeu-se que a razão era pelo facto de se saber que este é simplesmente o porta-voz do actual Primeiro-Ministro pelo que por mais que dissesse ou falasse nada traria de novo para a solução da crise.

Mas alguém se lembrou e da cegueira fez-se luz; tal como o petróleo tem o seu valor, que o diga o Rodrigues dos Santos, também a Terra pode ser negociada, empolando o seu valor. Porque não relevar a lei já aprovada sobre os latifúndios e aproveitar a sua diluição objectiva: Dividir os cemitérios em "Pedaços" de Terra que ficariam na posse dos Coveiros, como pertença sua, que dela fariam o que quisessem: Poderiam mesmo enterrar os mortos pondo caixões uns por cima dos outros, até à profundidade possível ou inventada para além de terem direito percentual aos objectos que são depositados com os mortos, muitos valorizados pela inflação atingida pela confusão criada.

Foi o recomeço de uma reforma que não lembraria ao Diabo e ainda bem porque assim ficou todo o país e toda a sua gente abençoada por uma descoberta de que afinal tudo pode ser de todos. O país continuou anarquizado por mais organizado que pareça ter ficado, pois a camuflagem e a dissimulação cada vez mais em voga, não deixa de ser uma maneira ilusória de demonstrar que um país pode ser um exemplo de governação.


domingo, 19 de janeiro de 2014

O Melhor Amigo do Homem e a Morte


Na vida profissional passamos por momentos incógnitos, tal como me acontece também quando faço algum turno na viatura médica de emergência e reanimação, constituída na sua essência por médico e enfermeiro, muitas vezes rumo ao desconhecido quando activados pelo centro de orientação de doentes urgentes, como é norma.

Esse desconhecimento leva-nos por vezes a situações limite, no que diz respeito à sobrevivência do ser humano, nomeadamente quando encontramos doentes com situações de perda de conhecimento, devido a paragem cardiorrespiratória, que infelizmente são mais frequentes do que seria de esperar, no pensamento normal do cidadão comum.

Relembro a história de duas dessas situações em que houve necessidade de reanimar as vitimas, mas pese a ordem e harmonia da equipa, a sua vontade em fazer o melhor possível, o seu querer em pretender reverter o quadro clínico, houve o definitivo desespero por não se conseguir atingir esse desejo final, que seria trazer de novo os corpos para a sua vida terrestre. Há uma altura limite em que se tem de tomar a iniciativa de parar as reanimações, quando se tem o sentido da irreversibilidade de não se poder dar de novo essa vida física a quem já dela se libertou.

Após o sinal objectivo da tristeza de um missão falhada, de imediato ouvi o uivar e o ganir em tom elevado, semelhante ao dos ancestrais lobos, seguido de um ladrar especial, inacabado e mantido de quem recebeu da alma, já separada do corpo-máquina, algo especial e espiritual, que não sabemos o quê, mas que houve uma entidade imaterial que já noutra dimensão conseguiu de certeza transmitir algo de felicidade ao cão, que não ouvimos nem percebemos mas que consideramos ter acontecido.

Em ambas as situações impressionou-me a coincidência...

Nos relatos verídicos de quase morte, entre outras descrições é unânime a presença da flutuação de algo imaterial, como se de uma suspensão no ar se tratasse, que olha para o corpo disforme pela própria reanimação, em que o seu pensamento poderá ser confuso nos poucos minutos que lhe poderão ou não restar, mas que a alma poderá considerar como uma eternidade de incerteza, a espreitar, ou olhar para o corpo que se encontra "lá em baixo", incerteza essa derivada também da incógnita da alma poder usufruir ou não de uma bela viagem, que poderá ser de sonho,  porque ao mesmo tempo que assiste  à agressão terapêutica do seu corpo, sente que do outro lado há quem o chame através de palavras simpáticas e meigas, como um chamariz para um "jardim" desconhecido, mas que parece ser florido, cheio de luzes e de magnetismo.  

Confirmei em ambos os casos, a forte ligação do dono para com esse grande amigo do homem, que é o Cão.

Fiquei inquieto, pensativo, preocupado por não encontrar explicação para ambos os factos.

Lembrei-me de um filme que a minha filha me obrigou um dia a ver, sobre a história do Hachikõ, cão de raça Akita, lembrado pela sua lealdade ao dono que perdurou muito para além da morte deste, que me emocionou, pela fidelidade retratada com tão tamanha grandeza esperando pelo retorno do seu dono durante cerca de dez anos até à sua morte.

Sendo esse mundo materialmente desconhecido, para além do que se vai sabendo sobre física quântica, uma certeza existe, a de que esse  nível de consciência imortal e eterna tem a pura sabedoria para aproveitar a luz que ilumina sem cegar para saber agradecer com gratidão a quem na vida terrestre lhe soube fazer o bem. 


domingo, 12 de janeiro de 2014

Libertar Energias

Decidi naquele mesmo dia, um dia do ano, ausentar-me de mim mesmo.

Temos dias, que entendemos e tentamos compreender o porquê do nosso pensamento tão vago de ideias, que levam a ideais sem imaginação, de uma mente confusa por estar preenchida e atestada de coisas passadas mas já inúteis, que nos dificultam ainda mais pensarmos com o coração, pois para que isso seja possível o cérebro não poderá ser um armazém de lixo, com os seus odores desconsiderados e já desvalorizados, mas sim um lindo jardim, colorido com espaço para podermos ver mais além e conseguirmos ouvir a água que a fonte jorra com a melodia tão balada com se de uma cascata jorrasse.

Existem então os locais de culto. São tantos, podem estar perto ou longe, podemos atingi-los a pé ou através de um meio de transporte, pode ser um simples local energizante, ou que nos permita o dom de podermos agir connosco próprios.

Assim foi, uma espécie de aventura diferente.

Não sabia ao que ia, porque conhecia mal.

Subi, fui subindo ainda mais o local escolhido, erguendo a minha visão em direcção da natureza, que por todo o lado existia.

Relembrei livros lidos no passado, porque nome de escritor se encontrava divulgado, literato com a minha profissão e de certeza com as ilusões ou desilusões tal como eu próprio já as tive e no resto da minha vida hei-de continuar a encontra-las disseminadas e dispersas, tal como ele próprio as terá visto e encarado.

Vi jovens com fácies envelhecidas e velhos com discurso rejuvenescido, mas ambos cordiais e prestáveis, ajudando a escolher o caminho certo, aparando sem saber, a nossa incerteza do caminho mais plausível.

Lembrei-me de recordações passadas, mas ponderei, reflecti e finalmente raciocinei: Vou de novo pensar com o coração; é esse o nosso dever, o de olhar o próximo com a dignidade e a força para que a nossa energia possa ser transmitida a quem estando mais fragilizado, dela se possa aprouver.


sábado, 4 de janeiro de 2014

A Mortalidade Infantil e a Sociedade em Geral

Somos um país que desde o 25 de Abril, deixámos de viver solitariamente para nos tornarmos progressivamente uma pátria com vontade de nos inserirmos na Europa. Melhorámos as condições de vida da população portuguesa, nomeadamente as sanitárias e higiénicas, mas também evoluímos na “salubridade” generalizada o que nos permitiu atingir alguns índices de que nos podemos orgulhar, como tenham sido, por exemplo, a taxa de mortalidade infantil ou a taxa fetal tardia, o que no início da primeira década do actual século foi orgulho nacional, pelo lugar que pudemos ocupar entre os países mais evoluídos do mundo.

Esta segunda década como é do conhecimento geral, pelas razões também sobejamente conhecidas, Portugal conseguiu levar a peito as palavras do actual Primeiro-Ministro, quando este afirmou ser necessário seguirmos a via do empobrecimento, quer no âmbito Privado, mas essencialmente a nível da Administração Pública.

Um país que em muitos sectores, mas também nos ordenados, ainda se encontrava a alguns anos luz da maioria dos países da Comunidade Económica, viu por via da política em vigor ver regressar a pobreza em força, razão de maior carência de quem já era pobre, como também do descaminho de uma classe média que em número significativo começou a deixar de ter suporte para ultrapassar as dificuldades que no dia-a-dia se foram impondo à vontade do cidadão comum.   

Na época Salazarista eram evidentes, embora encobertas, determinadas doenças como fossem a tuberculose pulmonar, ou a mortalidade infantil elevada, em número que não interessava saber, fruto dos alicerces da ditadura que impedia com os meios ao seu alcance, para proveito de alguns, o atingimento económico ou o entendimento cultural necessário para a evolução de um país e motivação da sua população.

Tal como nessa época, para além da miséria humana que estava instalada, assistimos agora, de novo, ao empobrecimento civilizacional e cultural; civilizacional com o desemprego a aumentar acentuadamente, a fome a reaparecer, os sem-abrigo a aumentarem, a higienização a diminuir, o saneamento básico a desaparecer, os pais a deixarem de ter as condições necessárias para se alimentarem convenientemente ou deixarem de poder dar aos seus filhos o alimento indispensável, designadamente os bebés a serem de novo alimentados com o leite mais barato e impróprio para a idade, levando ao aparecimento de doenças como sejam a disenteria ou malnutrição que lhe são associados com o previsível aumento da morbilidade e mortalidade; cultural, como a diminuição drástica do número de pessoas que vão a espectáculos culturais, o encerramento de cinemas, teatros, museus, fruto da política ou da necessidade de poupança das pessoas para bens alimentares que deixam de gastar dinheiro em actividades “supérfluas”, ou a diminuição significativa de compra de livros, outro índice importante na compreensão do estado cultural de um país.

Entrámos assim na segunda década deste século com um aumento da taxa de mortalidade infantil, que embora teoricamente ainda seja aceitável, não temos dúvidas que o seu aumento gradual mas progressivo desde o ano de 2011, levar-nos-à aos poucos, para valores que se equiparão à nossa actual (in)significância, por mais que o Ministério da Saúde, através do seu órgão Direcção Geral de Saúde, ou a própria Ordem dos Médicos, “pareçam” duvidar das razões da  inversão dos valores que na nossa sociedade actual explicam essa mesma transposição.