sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Absolvição

Eram muitas as dores que sentia, incomodativas, que me limitavam a locomoção e impossibilitava alguns movimentos que fazem parte da nossa normalidade e que inconscientemente repetimos centenas ou milhares de vezes durante a actividade diária.

Decidi por recorrer ao médico de família, como todos deveremos fazer quando algum dilema de saúde surge. Estava frágil e incapacitado pela dor e pela dificuldade de me mobilizar e impotente pela debilidade psíquica que a mesma provoca.

Depois de uma história clínica cuidadosa, fui observado, medicado e foram-me pedidos alguns exames entre os quais um Tomografia Axial Computadorizada.

Lá fomos, porque não conseguia conduzir, pela estrada que não parecia ter fim, sinuosa ou tortuosa, estreita, mas único refugo para evitar os custos que se vão adicionando por cada pórtico nas auto-estradas que todos continuaremos a pagar indefinidamente.

Finalmente a capital, que tudo de bom parece ter, mas que da confusão de trânsito não se consegue livrar, mas enfim, não foi esse o objectivo que me direccionou, pelo que com alguma dificuldade lá cheguei ao local pretendido.

Entrei num aparelho com a forma circular que mais parecia um donut, onde me deitei numa maca e aí deslizei provavelmente para a zona onde me iriam ser emitidas as radiações, que alguma coisa poderia descobrir neste corpo até ao momento são e sadio.

Ouvi uma voz de timbre metálico, que de algum lado parecia conhecer, mas rapidamente me lembrei do meu GPS; ia orientando os movimentos respiratórios, assimilando os conselhos, mas o tempo passava com dificuldade, de maneira que minutos pareciam horas, talvez por reflectir que alguma coisa menos boa se estaria a passar, porque a noção é que quando tudo corre bem, nada é tão demorado e tudo se torna mais fácil de ser assimilado.

O círculo volta-se a abrir, a maca torna a deslizar, mas quando pensava ter terminado o exame, sou confrontado por um enfermeiro que delicadamente pede para poder perfundir um produto, contraste, necessário para aclarar algumas dúvidas existentes, mas não me transmitiu quais.

A desesperança,

O rebuliço interior, o quase enlouquecimento, o reflectir sobre tudo e sobre nada, desde o início que somos vida ou da vida fazemos parte, até quando e como ela terminará já que alguma coisa de grave existirá, pois um contraste após tanto tempo para observação destes meus órgãos deixam de ser um meio, mas passam a ser um fim, que brevemente me irá ser transmitido.

A nossa existência passada, nos momentos de aflição, parece-nos curta, errante nos actos passados, ausente das coisas boas que teremos vivido, tanta coisa de diferente que deveríamos ter feito, o tempo que viveremos, sem tempo, porque o mesmo se diluirá nas idas e desavindas para o meio hospitalar para as sessões de quimioterapia ou de radioterapia, ou sabe-se lá mais o quê, deixar-me-ão desde já “morto” para o tempo que irei durar.

Terminou o exame; durou uma hora e meia, suficiente para perceber o que desde já não estará disseminado por um corpo metafórico como sejam as peças de um relógio, que passou a ser disfuncional.

Finalmente o resultado do julgamento do colectivo dos juízes que perante as provas evidentes decidiram:

Estou absolvido, não sei no entanto até quando…


Sem comentários:

Enviar um comentário