quinta-feira, 27 de março de 2014

Camões, Reaparece Para Ressuscitares Este País

Andamos alucinados porque tudo o que se tem passado neste país não deixa de ser uma mera ilusão, porque não desejamos acreditar. Não acreditamos porque tivemos um Camões que através dos Lusíadas incutiu-nos no ensino secundário a nossa independência, lembrando a acção grandiosa dos portugueses por esse mundo inteiro.

Não acreditamos porque continuamos a pensar que D. Sebastião por aí andará perdido algures em África, homem imortal que qualquer dia aparecerá para salvar a honra de um país que a perdeu, não sejam só os Judeus a terem a paciência de esperar pelo seu próprio Messias, com sentido semelhante mas mais amplo, pois quando nascer virá salvar o mundo, embora eu próprio não saiba se nessa altura ainda haverá mundo…

Descremos porque não existe dia nenhum que não se fale em cortes visando diversas áreas de actividade, mas essencialmente a Administração Pública, alvo preferencial e mais fácil de atingir, seja nos salários, sejam as reformas, sejam os suplementos remuneratórios, sendo esses profissionais tratados como se bodes “expiatórios” se tratassem, ou seres que deixaram de ser humanos por se entender que enfermam do pestífero, camuflando-se desta maneira a completa incapacidade governativa de quem na última década tem tido a inaptidão e por isso a contribuição e o tributo da derrocada em que nos encontramos.

A história relembra durante passados séculos a nossa paciência infinita, porque o povo português prefere ser conformado e resignado, preferindo acomodar-se à realidade da actualidade, caricaturar a classe política corrupta nos meios sociais, em vez de exigir responsabilidade social, jurídica e penal para de vez acabar com o fosso entre quem está “está lá em cima”, muito longe do conhecimento do que se passa na realidade do dia-a-dia “cá em baixo”, seja nas empresas, nos hospitais, nos centros de solidariedade, na rua, no contacto directo permanente com as populações e não só em vésperas eleitoralistas, tentando percepcionar assim o porquê das dificuldade que o cidadão comum e anónimo está na sua maioria a passar na actualidade.

A única certeza que podemos ter é involução social, de um povo que deixou desde a existência de Camões, de ter Armas e Barões Assinalados e muito menos gente remota que na altura muito edificou e sublimou; ficam para a posteridade essas lindas palavras que nos podem motivar no nosso trabalho do dia-a-dia, mas que no entanto sabemos que não passam de meras palavras vãs, ocas e fúteis, porque de ilustres apenas a panaceia do desastre verbal dos deputados e governantes por completo desconhecimento da realidade, ou de grandes interesses pessoais.

Até Fernando Pessoa nas “Mensagens” retratou Portugal no seu declínio, clamando e apregoando a necessidade de uma nova força anímica, não o tendo no entanto conseguido transmitir à população, tal como foi reconhecido o valor da sua obra, pela qual todos temos uma estima e um respeito de grande apreço.
   
Até lá vamos acreditando que não vivemos neste país empobrecido, repleto de mitos, de incertezas, em que a falta de esperança porque se deixou de acreditar…É apenas mais um sonho que estamos a ter.


sexta-feira, 14 de março de 2014

EUTANÁSIA? EU DIGO NÃO

Aquele era mais um dia, semelhante aos anteriores, desde que dei entrada nesta cama com a cabeceira perto de uma pequena janela, cuja luminosidade fosse a claridade ou a cintilação da lua, não me ajudava a saber as horas, mas ia-me permitindo ainda conseguir diferenciar entre o ser dia ou o ser noite.

Era um pequeno rectângulo de espaço, uma cama apertada, mas o suficiente para saber que a minha vida dependeria dessa pequena extensão, já que tinha um tubo ligando os pulmões a um ventilador mecânico, que fazia o trabalho daquele, permitindo-me sonhar com a vida mas percebendo também que o limiar entre essa mesmo e a sobrevivência pode ser extremamente pequeno.

Nos poucos momentos que eram de lucidez, acordava sem saber se passavam minutos, horas ou dias; ouvia os médicos e os enfermeiros cochichando; lá iam dizendo que o “caso é mau”, “provavelmente vai morrer”, “o choque está a ser refractário aos medicamentos”, “os antibióticos não estão a surtir o efeito desejado”…

É a sensação do nada, um vazio que não é preenchido porque é oco mas também vago, o saber que se vai morrer, num corpo sem resposta imunológica, mas interessantemente, sem desejo de morrer, porque sente e que para além desse vazio do nada, não existe dor, só sofrimento psíquico. Surge a recordação da vida, a lembrança de ter sido demasiado vivida ou então dos momentos que nunca foram vividos, mas agora ainda mais que nunca, é altura de discernir que viver é existir, é pensar, raciocinar e meditar pese os poucos instantes de lucidez, apesar da altura sendo antagónica, não ser por isso mesmo o momento mais propicio a sedimentar aquilo que poderá ser noutras ocasiões o fortalecimento do nosso ego.

Lembro-me de discussões sobre a eutanásia, tenha sido com amigos, após filmes vistos, ou após leituras lidas e relidas; aquilo de se ser um farrapo humano, um pedaço de vida escondido só para se poder afirmar que se está vivo, cheio de dores física e psíquica, um corpo sem dignidade, sem honra e vulnerável, não o sinto, penso de outro modo, cogito e reflicto, os tempos são outros, a medicina evoluiu. Hoje a dor é parte integrante da preocupação e da compreensão dos profissionais de saúde, que perante medicamentos em escolha, limitam essa mesma dor aos limites da incompreensão cerebral, pelo que, se ela ainda existe não deixa de ser um sopro ou um assobio que rapidamente se encobre perante os químicos que de maior poderio assim o impõe e ordena na compreensão do puzzle que é o nosso corpo orgânico.

Sobrevivi,

Apetece-me dar um grito, que seja audível à distância, feliz, ditoso e afortunado. A compaixão de quem sofre é uma realidade da sociedade actual, mas a evolução intelectual e tecnológica do século XXI, com os conhecimentos recentes de como actuar sobre o físico e o psíquico dos doentes que sofrem e pensam que a eutanásia será o destino mais sequente de deixarem de sofrer, eu direi,

Não,

A vulnerabilidade? Ultrapassar-se-à com a relembrança: Os familiares, os amigos, os sonhos, os projectos,     

A medicação para me fazer esquecer a dor, dando a vitalidade necessária, mas também suficiente, para fazer ultrapassar a dificuldade que eventualmente nos possa ainda cegar em pensamento, a esperança de saber que vivendo o mais tempo possível, na esperança de ainda ter tempo para poder ser feliz, tendo o olhar virado para confrontar o mundo que me foi imposto, o percurso de vida que foi exigido, leva-me a sentir ser não uma peça do baralho, mas um ser em si mesmo, pensante e racional, por isso mesmo a ser tentado a permanecer no trilho da vivacidade e da vivência possível e durante o tempo que o meu organismo o desejar.

Porque acredito nisso tudo, porque sei e senti que o sofrimento pode perfeitamente ser ultrapassável pelo desenvolvimento dos medicamentos e da tecnologia, do aparecimento de novas formas de substituição dos nossos órgãos, pelo afecto e ternura de quem de nós lida nesses momentos difíceis, considero ser a eutanásia um assunto cuja compreensão não pode ser a mesma que havia até ao fim do século passado.

Hoje o sofrimento ultrapassa-se de variadas formas, ajudando a podermos encontrar o verdadeiro sentido da nossa vida, não negando, desde o nascimento, o sentimento intrínseco em nós próprios, impedindo a fuga ou a desistência, ajudando à persecução dos objectivos próprios que nos levaram a confrontar este mundo terrível, por isso mesmo na liberdade a manter a dignidade que sempre tivemos desde a nascença. Por tudo sou obrigado a afirmar:

NÃO À EUTANÁSIA: Lutemos sim para que a nossa dignidade seja uma realidade que terá de ser respeitada até ao último suspiro.       



segunda-feira, 3 de março de 2014

A Igreja, o Património, os Santos e as Santas

Estava vento, ameaçava chuva, a estrada era estreita e encontrava-se esburacada no percurso, desde que deixámos a estrada principal, à procura de uma pequena igreja, conhecida pelos peregrinos que nas suas caminhadas para Santiago de Compostela nela fazem jus à sua condição de forasteiros, fazendo parte da rota dos românicos.

A Igreja é a de Telões, pequena aldeia, sendo freguesia do Concelho de Amarante, embora distante do mundo “real”, arranjada, ordenada e organizada, numa das saídas da aldeia, que não é saída nenhuma, porque mais estrada não existe.

Exteriormente com vestígios romanos, apresenta um alpendre que faz a ligação entre a fachada principal e o campanário.

Mas como é hábito nos monumentos em Portugal, encontrava-se encerrada porque não era dia de missa e o padre desloca-se doutra povoação, o que não acontece todos os dias, porque a sua actividade religiosa não se esgota nesta pequena igreja.

No entanto, encontrámos próximo um grupo de pessoas de idade que conversavam, mas que foram por nós interrompidos. Na sequência de boa convivência, apareceu como que por magia nas mãos de alguém, anónima, umas chaves, antigas, que pareciam obsoletas mas que rapidamente puseram a descoberto o interior da igreja.

Ouvimos então a história real de um interior que se tenta manter rico, porque a força de união das pessoas da aldeia conseguiram preservar, mas com dificuldade, peças raras e valiosas, que neste momento por outros lados andariam, porque noutras mãos estariam, fornecendo e abastecendo a carteira de alguns, pois a venda em “mercado negro” de quadros e outros objectos de grande valor, sejam altares próprios do culto ou outros, levariam, como levaram noutros locais, ao despejo, para enriquecimento de alguns, como também ao empobrecimento do nosso património que já foi vasto, mas vai sendo cada vez mais depauperado.

Também a discriminação das mulheres, que a religião católica ainda não conseguiu fazer ultrapassar, foi evidente, com a separação entre os Santos e Santas, os primeiros expostos no altar e em sua volta e as Santas, com excepção da Maria, guardadas na sacristia, mais longe da vista do povo, “não fossem elas brigar umas com as outras”, e “o altar vem abaixo” expressões ditas vivamente de quem nos estava a levar por uma visita guiada.

Pois também a moral própria de quem costuma recorrer à igreja, provavelmente por machismo ou receio de transpor as próprias regras pessoais, pode ser decisão suficiente para não contrariar aquilo que não quer ver, pois Santos são Santos enquanto Santas não se percebe muito o valor que podem ter quer na sociedade quer nas religiões em geral (veja-se também o que se passa no islamismo).

Finalmente entrámos, noutra localidade, numa loja de artesanato; num local interior, só acessível aos mais curiosos, deparámos com pequenos altares para venda, assinalados com preço alcançável para quem tenha carteiras bem recheadas de dinheiro; mas o que nos chocou foi o facto de percebermos que afinal o nosso património está mesmo a ser delapidado…Por quem?