segunda-feira, 3 de março de 2014

A Igreja, o Património, os Santos e as Santas

Estava vento, ameaçava chuva, a estrada era estreita e encontrava-se esburacada no percurso, desde que deixámos a estrada principal, à procura de uma pequena igreja, conhecida pelos peregrinos que nas suas caminhadas para Santiago de Compostela nela fazem jus à sua condição de forasteiros, fazendo parte da rota dos românicos.

A Igreja é a de Telões, pequena aldeia, sendo freguesia do Concelho de Amarante, embora distante do mundo “real”, arranjada, ordenada e organizada, numa das saídas da aldeia, que não é saída nenhuma, porque mais estrada não existe.

Exteriormente com vestígios romanos, apresenta um alpendre que faz a ligação entre a fachada principal e o campanário.

Mas como é hábito nos monumentos em Portugal, encontrava-se encerrada porque não era dia de missa e o padre desloca-se doutra povoação, o que não acontece todos os dias, porque a sua actividade religiosa não se esgota nesta pequena igreja.

No entanto, encontrámos próximo um grupo de pessoas de idade que conversavam, mas que foram por nós interrompidos. Na sequência de boa convivência, apareceu como que por magia nas mãos de alguém, anónima, umas chaves, antigas, que pareciam obsoletas mas que rapidamente puseram a descoberto o interior da igreja.

Ouvimos então a história real de um interior que se tenta manter rico, porque a força de união das pessoas da aldeia conseguiram preservar, mas com dificuldade, peças raras e valiosas, que neste momento por outros lados andariam, porque noutras mãos estariam, fornecendo e abastecendo a carteira de alguns, pois a venda em “mercado negro” de quadros e outros objectos de grande valor, sejam altares próprios do culto ou outros, levariam, como levaram noutros locais, ao despejo, para enriquecimento de alguns, como também ao empobrecimento do nosso património que já foi vasto, mas vai sendo cada vez mais depauperado.

Também a discriminação das mulheres, que a religião católica ainda não conseguiu fazer ultrapassar, foi evidente, com a separação entre os Santos e Santas, os primeiros expostos no altar e em sua volta e as Santas, com excepção da Maria, guardadas na sacristia, mais longe da vista do povo, “não fossem elas brigar umas com as outras”, e “o altar vem abaixo” expressões ditas vivamente de quem nos estava a levar por uma visita guiada.

Pois também a moral própria de quem costuma recorrer à igreja, provavelmente por machismo ou receio de transpor as próprias regras pessoais, pode ser decisão suficiente para não contrariar aquilo que não quer ver, pois Santos são Santos enquanto Santas não se percebe muito o valor que podem ter quer na sociedade quer nas religiões em geral (veja-se também o que se passa no islamismo).

Finalmente entrámos, noutra localidade, numa loja de artesanato; num local interior, só acessível aos mais curiosos, deparámos com pequenos altares para venda, assinalados com preço alcançável para quem tenha carteiras bem recheadas de dinheiro; mas o que nos chocou foi o facto de percebermos que afinal o nosso património está mesmo a ser delapidado…Por quem?



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