sábado, 25 de janeiro de 2014

No Dia em que os Coveiros Fizeram Greve

Naquele dia enevoado, os Coveiros decidiram por unanimidade, depois de analisarem os problemas da classe, decretarem uma greve por tempo indeterminado.

A população tomou conhecimento da notícia pelos jornais; ficou perplexa porque não entendeu nem quis perceber: Greve? Estão doidos, o que será dos mortos, quem lhes dará o trato final no caixão, quem os enterrará e quem os velará?

A Assembleia da República e o Primeiro-Ministro nada se preocuparam, porque era mais uma de muitas outras greves, de outros malfeitores que tudo queriam mas nada mereciam, mas cujo controle das forças policiais sobejava e que rapidamente o cansaço a faria terminar, para além da revolta que iria provocar na população.

Mas esqueceram-se dos factos reais,

A vida, pelo país começou a tornar-se insuportável. As pessoas já sofríveis pela crise permanente e duradoura, sem fim à vista, começaram cada vez mais a ficarem menos amistosas, a irradiarem a sua pouca animosidade, não para os Coveiros, mas para os políticos que mais uma vez não quiseram ou não se aperceberam do quanto de prejudicial se adivinhava a continuação dessa greve.

Parecia tudo ter saído de um livro de ficção, mas não. As capelas começaram a abarrotar de corpos inanimados, os familiares e amigos confusos porque queriam velar um determinado corpo, mas eram tantos que ou velavam vários sem saber o real ou fingiam velar e saiam rapidamente da casa mortuária. Os funcionários das agências funerárias andavam descontrolados, nervosos, agitados, preocupados e inquietados quando as pessoas iam ter com eles culpabilizando-os da situação, confundindo-os, porque nem os próprios percebiam da razão que estava a levar à confusão e anarquia do país.

O Ministro da Saúde, após reunião com os seus consultores e assessores, muitos deles médicos, quando estes lhe transmitiram a possibilidade de uma catástrofe de Saúde Pública devido à decomposição dos corpos, ao cheiro nauseabundo dos mesmos e às doenças mortíferas que daí poderiam advir, aquele pensou e meditou do que melhor seria, se considerar um estado de calamidade, se pensar que quantas mais pessoas morrerem e menos indivíduos existirem, menos dinheiro se iria gastar com a segurança social e mais facilmente se iria conseguir o equilíbrio das finanças do país; mas lá considerou e bem que essa questão do dinheiro mais diz respeito ao Primeiro-Ministro do a ele próprio, portanto não iria por esse caminho.

Pior, a recordação histórica do passado, da Época Medieval;

A pestilência, mas logo alguém pensou fazer negócio projectando leprosarias, ou ratoeiras electrónicas para apanhar os ratos; a tuberculose foi outro dos assuntos discutidos, mas a tal tísica, problema de proletários facilmente seria resolvido com as medidas a implementar. Importante seria preparar uma formação para os médicos e enfermeiros para reaprenderem a sangrar e purgar os doentes e também saberem manusear as sanguessugas, animal que muito iria ajudar na cura das “maleitas” que se estava à espera de aparecerem.

A Assembleia da República só começou a perceber a dimensão da situação quando compreendeu e entendeu que havia outras classes profissionais que quase sigilosamente queriam também reivindicar, ameaçando por esse motivo com greve: Os trabalhadores de recolha de lixo, os médicos, os motoristas, os enfermeiros, os bombeiros, isto o que se sabia dos serviços secretos de segurança do estado e dos serviços de escutas dos telemóveis.

Começaram algumas medidas: Exigir o embalsamento, mas que rapidamente fez esgotar no mercado negro, os óleos e outras substâncias utilizadas para complemento dessa técnica; houve quem rapidamente inventasse maneira de fazer toneladas de gelo para manter os corpos inertes, mas o próprio gelo derretia rapidamente e a água começou a escassear pelo que foi negócio de pouca duração.

Os corpos eram cada vez mais, não havia caixões em número suficiente, a madeira era insuficiente, a água passou a ser insalubre e a comida desesperante no seu sabor.

A Guerra Civil estava iminente...

Toda a Comunicação Social aguardava um veredicto, que tardava em aparecer, aguardando com a paciência que se lhes reconhece, horas infinitas nas entradas dos edifícios do Primeiro-Ministro, Ministérios e Assembleia da República, mas notou-se que poucos estavam presentes junto ao edifício do Presidente da República e percebeu-se que a razão era pelo facto de se saber que este é simplesmente o porta-voz do actual Primeiro-Ministro pelo que por mais que dissesse ou falasse nada traria de novo para a solução da crise.

Mas alguém se lembrou e da cegueira fez-se luz; tal como o petróleo tem o seu valor, que o diga o Rodrigues dos Santos, também a Terra pode ser negociada, empolando o seu valor. Porque não relevar a lei já aprovada sobre os latifúndios e aproveitar a sua diluição objectiva: Dividir os cemitérios em "Pedaços" de Terra que ficariam na posse dos Coveiros, como pertença sua, que dela fariam o que quisessem: Poderiam mesmo enterrar os mortos pondo caixões uns por cima dos outros, até à profundidade possível ou inventada para além de terem direito percentual aos objectos que são depositados com os mortos, muitos valorizados pela inflação atingida pela confusão criada.

Foi o recomeço de uma reforma que não lembraria ao Diabo e ainda bem porque assim ficou todo o país e toda a sua gente abençoada por uma descoberta de que afinal tudo pode ser de todos. O país continuou anarquizado por mais organizado que pareça ter ficado, pois a camuflagem e a dissimulação cada vez mais em voga, não deixa de ser uma maneira ilusória de demonstrar que um país pode ser um exemplo de governação.


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