Naquele dia enevoado, os Coveiros decidiram por unanimidade, depois
de analisarem os problemas da classe, decretarem uma greve por tempo
indeterminado.
A população tomou conhecimento da notícia pelos jornais; ficou
perplexa porque não entendeu nem quis perceber: Greve? Estão doidos, o que será
dos mortos, quem lhes dará o trato final no caixão, quem os enterrará e quem os
velará?
A Assembleia da República e o Primeiro-Ministro nada se
preocuparam, porque era mais uma de muitas outras greves, de outros malfeitores
que tudo queriam mas nada mereciam, mas cujo controle das forças policiais
sobejava e que rapidamente o cansaço a faria terminar, para além da revolta
que iria provocar na população.
Mas esqueceram-se dos factos reais,
A vida, pelo país começou a tornar-se insuportável. As pessoas já
sofríveis pela crise permanente e duradoura, sem fim à vista, começaram cada
vez mais a ficarem menos amistosas, a irradiarem a sua pouca animosidade, não
para os Coveiros, mas para os políticos que mais uma vez não quiseram ou não se
aperceberam do quanto de prejudicial se adivinhava a continuação dessa greve.
Parecia tudo ter saído de um livro de ficção, mas não. As capelas
começaram a abarrotar de corpos inanimados, os familiares e amigos confusos
porque queriam velar um determinado corpo, mas eram tantos que ou velavam
vários sem saber o real ou fingiam velar e saiam rapidamente da casa mortuária.
Os funcionários das agências funerárias andavam descontrolados, nervosos,
agitados, preocupados e inquietados quando as pessoas iam ter com eles culpabilizando-os
da situação, confundindo-os, porque nem os próprios percebiam da razão que estava
a levar à confusão e anarquia do país.
O Ministro da Saúde, após reunião com os seus consultores e
assessores, muitos deles médicos, quando estes lhe transmitiram a possibilidade
de uma catástrofe de Saúde Pública devido à decomposição dos corpos, ao cheiro
nauseabundo dos mesmos e às doenças mortíferas que daí poderiam advir, aquele
pensou e meditou do que melhor seria, se considerar um estado de calamidade, se
pensar que quantas mais pessoas morrerem e menos indivíduos existirem, menos
dinheiro se iria gastar com a segurança social e mais facilmente se iria
conseguir o equilíbrio das finanças do país; mas lá considerou e bem que essa
questão do dinheiro mais diz respeito ao Primeiro-Ministro do a ele próprio,
portanto não iria por esse caminho.
Pior, a recordação histórica do passado, da Época Medieval;
A pestilência, mas logo alguém pensou fazer negócio projectando leprosarias,
ou ratoeiras electrónicas para apanhar os ratos; a tuberculose foi outro dos
assuntos discutidos, mas a tal tísica, problema de proletários facilmente seria
resolvido com as medidas a implementar. Importante seria preparar uma formação para
os médicos e enfermeiros para reaprenderem a sangrar e purgar os doentes e
também saberem manusear as sanguessugas, animal que muito iria ajudar na cura
das “maleitas” que se estava à espera de aparecerem.
A Assembleia da República só começou a perceber a dimensão da
situação quando compreendeu e entendeu que havia outras classes profissionais
que quase sigilosamente queriam também reivindicar, ameaçando por esse motivo com
greve: Os trabalhadores de recolha de lixo, os médicos, os motoristas, os
enfermeiros, os bombeiros, isto o que se sabia dos serviços secretos de
segurança do estado e dos serviços de escutas dos telemóveis.
Começaram algumas medidas: Exigir o embalsamento, mas que rapidamente
fez esgotar no mercado negro, os óleos e outras substâncias utilizadas para
complemento dessa técnica; houve quem rapidamente inventasse maneira de fazer
toneladas de gelo para manter os corpos inertes, mas o próprio gelo derretia
rapidamente e a água começou a escassear pelo que foi negócio de pouca duração.
Os corpos eram cada vez mais, não havia caixões em número
suficiente, a madeira era insuficiente, a água passou a ser insalubre e a
comida desesperante no seu sabor.
A Guerra Civil estava iminente...
Toda a Comunicação Social aguardava um veredicto, que tardava em
aparecer, aguardando com a paciência que se lhes reconhece, horas infinitas nas
entradas dos edifícios do Primeiro-Ministro, Ministérios e Assembleia da República,
mas notou-se que poucos estavam presentes junto ao edifício do Presidente da República
e percebeu-se que a razão era pelo facto de se saber que este é simplesmente o
porta-voz do actual Primeiro-Ministro pelo que
por mais que dissesse ou falasse nada traria de novo para a solução da crise.
Mas alguém se lembrou e da cegueira fez-se luz; tal como o
petróleo tem o seu valor, que o diga o Rodrigues dos Santos, também a Terra
pode ser negociada, empolando o seu valor. Porque não relevar a lei já aprovada
sobre os latifúndios e aproveitar a sua diluição objectiva: Dividir os
cemitérios em "Pedaços" de Terra que ficariam na posse dos Coveiros,
como pertença sua, que dela fariam o que quisessem: Poderiam mesmo enterrar os
mortos pondo caixões uns por cima dos outros, até à profundidade possível ou inventada
para além de terem direito percentual aos objectos que são depositados com os
mortos, muitos valorizados pela inflação atingida pela confusão criada.
Foi o recomeço de uma reforma que não lembraria ao Diabo e ainda
bem porque assim ficou todo o país e toda a sua gente abençoada por uma
descoberta de que afinal tudo pode ser de todos. O país continuou anarquizado
por mais organizado que pareça ter ficado, pois a camuflagem e a dissimulação
cada vez mais em voga, não deixa de ser uma maneira ilusória de demonstrar que
um país pode ser um exemplo de governação.
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