segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Reflexões de Médico - A Solidão nos Hospitais

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Estar doente é como que viajar de comboio através  de  uma  rota  com  um  trajecto  extenso, caminhos muitas vezes tortuosos e/ou sinuosos, com curvas apertadas que fazem os mesmos ficar nauseados, enjoados e por vezes agoniados.


Felizmente que nesse percurso se encontram paisagens paradisíacas, apesar da velocidade e da rapidez do comboio, que pode ultrapassar a nossa possibilidade visual de acompanhamento, momentos únicos que se devem aproveitar, na esperança que possamos visualizar o limite que a emoção pode na prática permitir.

O compartimento é pequeno; acaba por tornar a viagem não só tortuosa como também atribulada, através dos carris ou trilhos previamente dispostos manualmente, sob a força da violência e a vigilância das armas, troços que deixam imagens que não se vêem por serem doutra época, mas que o nosso cérebro consegue imaginar como se fosse ontem que tivessem sido fotografadas.


Estar internado por doença é poder esquecer as saudades de algo, não conseguir perguntar muito, viver numa sociedade diferente, com regras diferentes e prioridades distintas daquilo que é o hábito na presença da colectividade global.

O doente sente estar entregue a si mesmo, tão só, embora intensamente acompanhado, tão perdido numa solidão que não é a sua, sem um nome porque passou a ser o número da cama, despido porque não tem os seus objectos pessoais, num palco de movimentos e ritmos atentos, mas de rigor absoluto desde o trabalho e a avaliação, cuidadosa e vigilante dos profissionais, às análises que são efectuadas regularmente, às máquinas que medem, avaliam e tudo controlam.

Apesar da inquietação, apesar do dever acreditar que a medicina evoluiu muito, apesar do dia ser breve embora longo, apesar de saber que o dia tem 24 horas não percepcionando a hora aproximada do ciclo circadiano, ouve-se o barulho envolvente, os comentários da certeza ou da incerteza, os assuntos de discussão do dia a dia, da crença ou da descrença, que leva a saber que afinal ainda vive num mundo real, embora diferente.

Revisita-se a si próprio; sabe que vai sobreviver, dando término à sua odisseia, conseguido então chegar a um porto com destino que era o pretendido, no sentimento da sua própria compaixão perante a injustiça de ser ele próprio e não outro.

O apego à vida na sua forma de relação com o transcendente, ajuda ao combate pleno contra a doença, numa recusa de desistência através de uma combatividade de um corpo que é máquina mas também engloba a mente, voz interior que nos comanda, reforço que dá a força e a esperança necessária para se continuar a lutar, fazendo o regresso da viagem de comboio, com um vigor diferente, uma energia motivante, determinação de continuar a realizar viagens por esse mundo fora.

É o sentimento de muitos que passaram pela doença ou pelo internamento por doença.

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